Favorecidos por um tipo de câmbio extremamente favorável, os turistas brasileiros enchem hotéis e restaurantes dos principais destinos argentinos. Mas, essa situação mudará se o próximo governo dolarizar?
A Argentina recebeu em 2023, até o momento, um total de 1.031.086 turistas brasileiros, o que representa uma variação interanual de +84,6 % e uma participação de quase 20 % no total do turismo receptivo do país vizinho.
Nos restaurantes de Buenos Aires – começando por Don Julio, que acaba de receber uma estrela Michelin e o 3° lugar entre os 50 melhores restaurantes da América Latina— o português se escuta a toda hora, e os comensais brasileiros se assombram com os preços dos melhores cortes de carne e com os vinhos.
A leva de visitantes brasileiros alcança também outros destinos clássicos, como Bariloche, desbordando a tradicional temporada de neve para tornar -se um destino favorito também quando faltam poucos dias para o verão.
O fenômeno se apoia, todos sabem, não só no gosto do turista brasileiro pelas cidades argentinas, mas, no tipo de câmbio favorável: o vertiginoso descenso da cotação do peso argentino nos últimos meses, junto a medidas que permitem que os gastos dos brasileiros tenham uma cotação melhor que a oficial, impulsionaram o turismo para a Argentina.
Não obstante, a grande incógnita é saber se o fenômeno pode durar. As dúvidas começaram em 19 de novembro, quando no segundo turno eleitoral se impôs como presidente eleito Javier Milei, um líder libertário que se subiu na onda da dolarização como solução aos crônicos problemas da Argentina (onde a inflação, segundo cifras oficiais que na rua parecem ser maiores, rondou 140 % interanual em outubro).
Além da proposta de dolarizar —que foi a grande promessa da campanha mas que agora parece estar congelada, ou pelo menos adiada, em prol de um plano menos drástico—, Milei propõe paralisar a obra pública e reduzir com terapia de shock o gasto do Estado.
André Coelho, coordenador de projetos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e experto em turismo, deu à CNN Brasil sua visão sobre o impacto que estas medidas terão no turismo. Incluso se as propostas de Milei forem postas em prática, disse, as mudanças necessitarão pelo menos dois anos para mostrar uma mudança na economia.
Ao mesmo tempo, Coelho lançou uma advertência: “Em princípio, a Argentina continua sendo um destino interessante para os brasileiros. Porém, se houver mudanças significativas no tipo de câmbio da economia do país, isso poderia significar a necessidade de voltar a planejar as viagens ou, talvez, escolher outros destinos, já que poderia chegar a ser um pouco mais caro”.
“Em caso de uma dolarização, isso poderia tornar um pouco inviável algumas viagens. Talvez a Argentina não seja tão vantajosa em termos de viagens para o Brasil, mas, com o tempo isso tende a organizar-se sozinho”, acrescentou.
Por outro lado, Edmilson Romão, vice-presidente financeiro da Associação Brasileira de Agências de Viagens (ABAV), considera que não há que esperar neste momento mudanças no turismo para a Argentina: “O tipo de câmbio do país é muito favorável. É uma grande opção para comer em bons restaurantes a bom preço. A Argentina tem muitas opções para provar, e continuarão durante muito tempo”, disse em entrevista com a CNN.
Em caso de uma dolarização, ou de alguma forma de regime econômico que amarre a moeda argentina ao dólar, como já ocorreu nos anos 90 durante o chamado “plano de convertibilidade” (pelo qual um peso argentino era equivalente a um dólar), segundo Romão o impacto também não será significativo a nível de tarifas aéreas ou de hospedagem, já que esses preços já estão dolarizados.
De fato, a Argentina atualmente pode ser um país caro em vários aspectos, começando pelas passagens aéreas e pelo preço dos traslados internos, devido à falta de infraestrutura adequada e outros problemas crônicos que afetam o transporte.
Entre outras incógnitas está o futuro da Aerolíneas Argentinas, companhia de bandeira altamente deficitária, mas da qual dependem muitos destinos do interior do país para garantir a conectividade. Segundo os planos de Milei, será entregue aos seus funcionários para que a administrem em forma privada, uma promessa que já desatou a fúria dos grêmios de pilotos.
Diferente pode ser a situação no caso de outros serviços, como atrações turísticas, passeios ou gastronômica, com relação aos custos. No entanto, até o momento não há indícios claros do rumo que tomarão as coisas, já que a verdadeira política econômica e turística que será posta na Argentina a partir de 10 de dezembro não está definida.
O que sim está claro é que autoridades argentinas do setor teriam preferido deixar as coisas como estão. Em declarações de imprensa prévias às eleições, o presidente da Câmara Argentina de Turismo (CAT), Gustavo Hani, referiu-se com preocupação às políticas de Milei sobre o turismo (ainda que na realidade nunca tenham sido definidas com exatidão).
Também, não está claro quem ocupará o setor de Turismo: houve rumores que envolveram Daniel Scioli, quem foi responsável da área em governos anteriores, mas que por enquanto continuará como embaixador no Brasil.
Em todo caso, quem se lembra dos anos 90 é consciente de que naquele momento a Argentina era um país caro (incluso muito caro) para o turista estrangeiro: voltará a ser ou haverá medidas pontuais que favoreçam o ingresso de visitantes do exterior?
Enquanto Javier Milei visa a desativar as várias “bombas do tempo” semeadas pelo governo argentino nos últimos anos, sem pôr o turismo no tope de suas preocupações, para essa pergunta há mais dúvidas que respostas.